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Seu texto aqui: O descarregar da noite


22 abril 2015


A noite é assim, silenciosa, tediosa e misteriosa, como um dia de semana sem energia. O coração descansa, pulsa, descarrega; o cérebro se aperreia, fica agoniado, pensa besteira e trava, assim como os aparelhos com baterias fracas. A noite vem se arrastando e expulsando a luz, afastando o barulho e as pessoas que dormem em camas separadas. Ela chega gradativamente e se grava todos os dias, como se fosse uma atitude diária do universo e o todo. Embora seja, ouso dizer que a noite vem para buscar companhia, para se aconchegar na cama e dormir de conchinha. Ela aparece, pega na minha mão e diz “Vamos dormir, estou exausta de andar perambulando por aí”. E eu estou cansada da luz para continuar, acabo aceitando a mão estendida e deito. Deito, leio alguns capítulos do livro da cabeceira, penso, fungo, viro de um lado para o outro, e me encaixo na noite e na sua escuridão, vulgarmente falando, na sua solidão. 

A noite vem em segundo plano, assim como a dor de um momento melancólico. O sol vem, queima a pele e esquenta tudo, a noite chega, esfria meu corpo e chego a ficar atormentada por pensamentos tão frios quanto o Canadá. “Estou com sono”, digo durante o dia. “Estou louca”, sussurro em meio à noite. Pensamentos insanos passam por cabeças cansadas. Sentimentos desconhecidos preenchem o vazio de um coração doente. E quando percebo que estou sonhando, faço um esforço para acordar, acordo ofegante e suando, o frio da noite já fora embora. E me arrependo de ter acordado, devia ter ficado sonhando, mas, tarde demais agora, e fico observando o teto mesmo no escuro, com a luz apagada. 

Vejo na tela fraca do celular que são três horas da madrugada. Lembro que ouvi dizer por aí que esse horário é perigoso. “É a hora oposta”, gente velha diz. E fico com medo de levantar e um demônio entrar em meu corpo sonolento. Lembro a mim mesma que o pior demônio é o que criamos por medo. Me enrolo mesmo suando frio e sinto um puxão no meu pé. Me encolho rápido e rio da minha ingenuidade, não é nenhum tipo de bicho me puxando. É apenas a noite me lembrando de que está aqui, sorrio com a garganta seca e lembro que preciso de água. Recuso me levantar e ir na cozinha, por isso me encaixo novamente na noite, beijo ela, minha boca fica úmida e não acho nojento. Tem um gosto amargo, que mesmo azedo, adoça a noite. E com frio, volto a dormir.

Março de 2015

O texto dessa semana foi da querida leitora Myrelle Padilha, quer ter seu texto publicado e divulgado aqui no blog? É só mandar um (único) texto para o e-mail:
blogbuscandodonhos@gmail.com

Um comentário:

  1. "Pensamentos insanos passam por cabeças cansadas. Sentimentos desconhecidos preenchem o vazio de um coração doente" Bom apesar de triste.

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